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BEBÊ REBORN, A NOVA LOUCURA FEMININA?




     Nos últimos tempos, virou moda criticar as mulheres que colecionam ou brincam com bebês reborn. E sim, eu entendo que existem casos extremos — mulheres que levam as bonecas ao médico, pedem pensão alimentícia, tratam como filhos no shopping, conversam como se fossem reais... E aí, de fato, acho que é algo que precisa ser analisado com mais cuidado. Talvez isso revele traumas profundos, frustrações, carência afetiva, desconexão com a realidade. E tudo bem olhar pra isso com seriedade, tratando como problema emocional ou psicológico. Mas e quando não o fato de ter um bebê reborn não representa problema algum? E quando é só um hobby? Porque, na maioria dos casos, é exatamente isso: um hobby — e hobbies são saudáveis. Num mundo acelerado, estressado, sufocante como o nosso, hobbies são mais do que válidos. São necessários. São uma válvula de escape para não enlouquecer, são uma maneira de não sermos consumidos pela vida adulta que rouba todos os prazeres da existência.


     Quando um grupo de mulheres se reúne para trocar roupas de bonecas, mostrar suas reborn, fazer acessórios infantis, não é muito diferente de um grupo de homens exibindo suas miniaturas de carros, action figures, discutindo estratégias em campeonatos de games ou gastando fortunas nos jogos de apostas. Mas curiosamente, só as mulheres são chamadas de infantis, carentes ou desequilibradas. Eu mesma amo bonecas de pano. Um dia quero ter uma coleção delas e, quando tiver, pode apostar que vou trocar a roupa de algumas, arrumar o cabelo, colocar um lacinho aqui, um sapatinho ali... Literalmente estarei brincando. Isso me faz menos adulta? Menos equilibrada? Claro que não. Me faz alguém que cultiva algo que gosta. Um simples hobby.


     Agora, me explica por que ninguém critica os homens que colecionam bonecos de super-heróis? Ou que compram carrinhos caríssimos pra disputar corridas de controle remoto? Ou que gritam e choram por um time de futebol, usando camisas como se fossem armaduras de guerra? Por que ninguém julga os homens que compram bonecas infláveis ou robôs sexuais e se relacionam com elas? Porque ninguém critica os homens adultos que colecionam personagens de animes e bonecos de super heróis, que se reúnem em eventos e congressos para falar do lançamento do último game ou para exibir seus carros muitas vezes mais queridos que pessoas? E os que tratam seus pets como bebês, com carrinho, mochila, creche, roupinha e até joias? Nada disso é visto como loucura. Mas a mulher com a boneca reborn é. Tá na hora de parar com os dois pesos e duas medidas. Tá na hora de reconhecer que o problema não é o hobby — é o machismo embutido na forma como a sociedade enxerga as escolhas das mulheres. E mais do que isso: tá na hora de respeitar o direito de cada um encontrar sua forma de aliviar o peso do mundo. Às vezes, tudo o que a gente precisa é de um pouco de beleza, leveza e fantasia pra continuar. E se isso vem em forma de uma boneca... qual o problema mesmo?


      Você deve lembrar de outra onda de crítica às mulheres por ocasião do filme da Barbie. Que infantilidade se vestir de rosa, comprar acessórios temáticos, ir ao cinema com as amigas para ver um filme de boneca, mas desde quando você presencia homens lotando salas de cinema para ver seus filmes de super heróis e usando suas camisas de time com orgulho em todo tipo de ocasião? Isso me faz lembrar de um date para o qual me arrumei toda e o cara apareceu vestido com a camisa do Flamengo. Já pensou se eu tivesse ido com a camiseta da Barbie para o encontro? Até hoje estaria estereotipada como a infantil.


     Eu não tenho bebê reborn e nem pretendo ter, não é algo que me atrai ou que me desperta interesse, (me lembram o Chucky aquele boneco assassino do filme) mas porque eu haveria de criticar quem gosta? Desde que haja equilíbrio e a mulher (ou homem) esteja apenas fazendo algo que gosta, desde que isso seja simplesmente um hobby, quem sou eu ou você para criticar? Talvez o que o mundo esteja realmente precisando é de mais brincadeira mesmo, é de gente adulta virando criança nem que seja por pouco tempo, é de gente revisitando as preferências da infância para não se perder nessa vida adulta louca com tantas pressões, exigências e regras. Com tanta tecnologia, redes sociais, inteligências artificiais, brincar talvez seja a solução para não perdermos a criatividade e o contato com quem nós somos. Há de se ter cuidado para não perder o contato com os outros. Humanos reais como nós.


    A grande verdade é que nós seres humanos queremos o tempo todo controlar a vida dos outros e fazer com que as pessoas sejam como as idealizamos. Esquecemos que cada indivíduo é um ser único, distinto e particular. Casos patológicos precisam de tratamento, mas talvez estejamos preocupados demais com quem está apenas brincando ou colecionando algo que gosta.


     O que está por trás de tanta crítica às mulheres adultas que colecionam bonecas reborn ou outros hobbies considerados infantis não é apenas um espanto superficial, mas sim um reflexo profundo do machismo estrutural que ainda rege nossa sociedade. Há uma resistência em aceitar que mulheres possam ocupar espaços que antes eram negados a elas — inclusive o espaço da liberdade de gostar do que quiserem, de colecionar o que quiserem, de se expressar como quiserem. Quando uma mulher brinca, cuida ou se envolve com algo que remete à infância ou ao cuidado, isso logo é taxado como loucura, carência ou desequilíbrio. Mas quando um homem se entrega ao mesmo tipo de envolvimento com seus hobbies, ele é visto como entusiasta, colecionador, nerd ou simplesmente “apaixonado pelo que faz”. Esse desequilíbrio precisa ser exposto e questionado.


      Combater o machismo não começa apenas em grandes campanhas ou leis — começa no dia a dia. Começa quando respeitamos as escolhas das mulheres, inclusive suas formas de lazer, seus gostos e seus hobbies. Começa quando paramos de ridicularizar o que é feminino e passamos a valorizar com a mesma medida com que valorizamos tudo que é culturalmente associado ao masculino. Respeitar uma mulher que ama bonecas não é apenas respeitar um hobby, é reconhecer sua autonomia, sua liberdade e sua humanidade. E isso, mais do que necessário, é urgente.


Francy Lima

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